Delitos Obsessivos

Hosmany Ramos é um escritor inclassificável na literatura brasileira. Era médico famoso e rico no Rio de Janeiro do final dos anos 70, cirurgião plástico da equipe de Ivo Pitanguy, e havia estudado literatura nos Estados Unidos, quando, em 1981, foi preso, acusado de vários crimes.
Recebeu o Indulto Pleno em 2016. Na prisão, dedicou-se à música, à pintura e à literatura. Foi na literatura, finalmente, que, como os malditos Jean Genet e Louis-Ferdinand Celine, encontrou seu meio de expressão.
Foi preciso que a França o descobrisse dois livros dele já saíram lá, pela editora Gallimard - para que o Brasil prestasse atenção nele, ainda que com reservas. Escritores e críticos ainda o veem com estranheza e estupor.
De fato, Hosmany Ramos, o prisioneiro, não é um autor convencional. Ele incomoda e perturba. O mundo sobre o qual insistem escrever não é fácil de ser apreendido pelas pessoas, digamos, normais.
Como escreveu o francês Maurice Dantec, “Hosmany propõe uma viagem do fundo do niilismo contemporâneo. Não sei por que milagre uma tal obra possa surgir, sobreviver e sair dessa cloaca, nos mostrando o verdadeiro dia-a-dia, tão tragicamente humano”.
Pela Geração Editorial, Hosmany já publicou “Pavilhão 9”, misto de ficção e reportagem sobre o terrível cotidiano de um presídio brasileiro-também já publicado na França-e “Sequestro Sangrento”, um romance brutal, no qual retrata políticos corruptos, milionários inescrupulosos e corruptores, policiais desonestos e artistas, numa trama de tirar o fôlego.
Agora, neste perturbador “Delitos Obsessivos", ele continua mirando o mundo do crime, com um foco mais uma vez incômodo: crime (violência, aventura e lucro) e carne (sexo exacerbado, sem amarras) interagem num ritmo alucinador, levando suas personagens, essencialmente mulheres, a matar maridos, esconder cadáveres, assassinar os próprios pais e buscar no vazio de uma existência enferma o máximo de emoção e tensão.
As heroínas - ou anti-heroínas - deste livro são surpreendidas em seus conflitos, tensões e desejos da alma e da carne com um olhar impiedoso, implacável, cruel. Para Hosmany, não há neste mundo brutal e vazio nenhum lugar para a compaixão. Os acontecimentos a cada parágrafo mais avassaladores, vão se sucedendo de maneira vertiginosa, como se ele escrevesse aos socos e pontapés. Tudo parece exagerado e absurdo não estivessem esses fatos, e essa é a grande tragédia, todos os dias nas páginas dos jornais.
Uma coisa, porém, é ler na seção policial dos jornais, mesmo nos mais conceituados, que uma jovem de classe média alta e seu namorado mataram os pais, a mulher envenenou o marido, o promotor público decidiu fazer justiça com as próprias mãos, a delegada sensual e lésbica fuzilou um ladrão. Outra coisa é ver esta gente como personagens de uma história de Hosmany Ramos, com todas as suas possíveis razões e nenhum - absolutamente nenhum - sentimento de culpa. Para eles, o crime compensa - mesmo com a morte sangrenta ao final.
Chega a ser apavorante.